Fonte: brasilagro.com.br
Mecanismo é usado para compensar emissões de poluentes, mas denúncias minam confiança no mercado.
À medida que o tema da crise climática ganha mais tração ao redor do mundo, também vêm se popularizando mecanismos como o mercado de créditos de carbono. O tema é complexo, relativamente novo, e seu funcionamento pleno ainda carece de diferentes regulamentações, tanto em nível nacional quanto global.
Além disso, denúncias recentes de irregularidades vêm jogando dúvidas sobre a validade de contratos, que incluem suspeitas de grilagem e pressão sobre povos indígenas.
Créditos de carbono são certificados que representam a redução ou remoção da atmosfera de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) —ou seja, uma tonelada de gases de efeito estufa.
O mecanismo foi concebido para que emissões de carbono, principalmente em setores onde cortes são mais difíceis, como aviação e construção civil, possam ser compensadas, por exemplo, com iniciativas de reflorestamento.
Projetos que reduzem emissões ou que capturam carbono, como de restauração florestal e de geração de energia limpa, se convertem em créditos representando a quantidade de gases que são evitados ou removidos da atmosfera.
Esses créditos são certificados por entidades independentes, responsáveis por verificar a validade e robustez desses projetos.
As certificadoras devem ser capazes de assegurar que as reduções de emissões são reais, adicionais (que não teriam ocorrido sem o projeto) e permanentes (que não serão revertidas). A certificadora mais famosa do mundo é a Verra, com sede em Washington.
Depois de certificados, os créditos são cadastrados em sistemas específicos, como o Sinare (Sistema Nacional de Registro de Emissões) no Brasil. O objetivo é aumentar a transparência do processo e evitar a dupla contagem, que acontece quando o mesmo crédito está sendo usado por empresas ou governos diferentes.
O ambiente de compra e venda desses créditos é chamado de mercado de carbono e é dividido em dois: o mercado regulado e o voluntário.
O mercado regulado é aquele estabelecido pelo Estado. Nele, governos estabelecem limites de emissões para diferentes setores da economia, definidos de acordo com a meta climática de cada país, estado ou município, e permitem que empresas comprem créditos para compensá-las.
Já no mercado voluntário, as próprias empresas e pessoas compram créditos de carbono espontaneamente, mesmo que não sejam obrigadas por lei.
No Brasil, o mercado regulado de carbono ainda não existe, mas o tema vem sendo discutido no Congresso. Um projeto de lei para a criação do mecanismo foi aprovado no final do ano passado pela Câmara, mas ainda precisa passar pelo Senado.
Se aprovado sem muitas modificações pelos senadores, o texto segue para sanção presidencial e depois precisará ser regulamentado.
"Vai levar em torno de cinco a seis anos para que esse mercado seja totalmente operacionalizado via uma regulamentação", estima Guarany Osório, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Pela redução aprovada na Câmara, o setor agropecuário —responsável por 27% das emissões de carbono do país, segundo o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa)— não fará parte do mercado regulado e, portanto, não será obrigado a cortar emissões como parte do mecanismo.
Os mercados voluntários, por outro lado, estão em funcionamento no país. "Houve um certo crescimento da procura por crédito de carbono, porque as empresas têm metas de redução de emissão e elas podem usar [esse mecanismo] de forma complementar para cumprir essas metas", diz o especialista.
Apesar de já serem adotados por diversos entes públicos e privados no mundo todo, há questionamentos sobre a eficácia dos créditos de carbono para frear o aquecimento global.
Algumas das questões mais básicas dizem respeito ao mecanismo, em si, como o fenômeno chamado de fuga de carbono. Ela ocorre quando empresas escolhem transferir suas operações para países ou regiões com regulamentações ambientais menos rígidas, em vez de seguir essas normas e reduzir suas emissões.
Além disso, os créditos de carbono deveriam funcionar como ferramenta complementar aos cortes de emissões associados à produção de bens e serviços (por exemplo, adotar fontes de energia limpa e métodos de produção mais eficientes). No entanto, muitas vezes a compra desse ativo é a principal estratégia adotada por empresas, que usam os créditos para evitar cortar emissões nas atividades.
Outras preocupações dizem respeito à qualidade dos projetos certificados. Entre elas, a garantia de que os cortes de emissões são reais, adicionais e permanentes e sobre os impactos sociais e ambientais dos projetos.
Nos últimos anos, denúncias de fraudes e fragilidade de projetos de créditos de carbono vêm colocando mais dúvidas sobre o mecanismo.
Em janeiro de 2023, reportagens colocaram em cheque a reputação da Verra, uma das principais certificadoras do mundo. A análise indicou que mais de 90% de seus créditos de compensação em florestas tropicais não representam reduções reais de emissões. Após a publicação, a Verra anunciou que iria descontinuar sua metodologia e adotar novas práticas até 2025.
Outro exemplo é um caso brasileiro recente: a Polícia Federal investiga um suposto esquema de geração de créditos de carbono a partir da grilagem de terras públicas no Amazonas. A venda dos ativos gerados em cima de mais de 500 mil hectares de terras da União pode ter totalizado R$ 180 milhões.
O valor de um crédito de carbono no mercado voluntário pode variar significativamente de acordo com alguns critérios, como a natureza dos projetos (por exemplo, de prevenção de desmatamento ou adoção de fontes de energia limpa), a confiabilidade da certificadora e a segurança de investimento dos países onde eles são desenvolvidos.
"O preço do crédito de carbono que está sendo negociado no mercado voluntário vai ser formado de acordo com a oferta e demanda", explica Osório. Ele acrescenta que, no final do ano passado, a média mundial do valor de um crédito de carbono neste mercado era de US$ 6 a US$ 7.
Já no mercado regulado, onde o ativo negociado são as licenças de emissão, os valores tendem a ser muito superiores. No mercado europeu, nesse mesmo período, a licença valia cerca de US$ 60, segundo dados do Banco Mundial. "Isso porque no ambiente regulado você tem uma [certeza da] continuidade desse mercado", afirma o professor da FGV.
Mas também há variações entre os países. No caso chinês, por exemplo, a licença vale US$ 12 e, na Indonésia, US$ 0,61 (Folha, 2/9/24)
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