No final de 2019, o mundo foi informado do surgimento, em Wuhan, China, dos primeiros passos de uma doença letal, de elevada propagação, e até então desconhecida, e que veio a ser conhecida como COVID-19, não identificada em seres humanos, no princípio.
Bastaram dias e poucos meses para que o acelerado avanço da doença levasse as autoridades de saúde a aceitarem a sua gravidade para as populações, em escala mundial e com os desdobramentos sobre a vida dos sistemas econômicos, em todas as fronteiras. Via-se um crescimento assimétrico da degeneração da saúde das pessoas, de um lado, e da saúde econômica das empresas, dos trabalhadores e suas famílias, do outro.
Há uma emergência de saúde e a ela associada uma crescente perda de produção, com a agravante de não se saber qual duração, intensidade e real extensão da crise. Nesse contexto, os remédios para a emergência sanitária são tão desafiadores quanto o são para conter a doença da economia.
É a iminência de mortes de pessoas físicas e, simultaneamente, de pessoas jurídicas. Isto faz com que esse choque de agora seja diferente, em muitos aspectos, daquele provocado pela crise financeira de 2008. Para alguns especialistas, inclusive, a crise provocada pelo COVID-19 deve superar a da Grande Depressão do final da segunda década do século passado, porque afetando economias grandes, médias ou pequenas, países desenvolvidos, não desenvolvidos ou emergentes, empresas locais, nacionais ou transnacionais, com circulação de informação a uma velocidade extremamente maior.
Quarentenas, lockdowns e distanciamento social têm sido utilizados pelos países para diminuir a propagação do novo coronavírus, mas, ao mesmo tempo, têm sido combustível para queimar as atividades econômicas, com a queda do trabalho, da renda e da demanda, de forma generalizada. O paradoxal nessa história é que, “parando” a economia, os governos e formuladores de políticas públicas precisam encontrar meios de garantir o suprimento de necessidades essenciais de sua população, diante de orçamentos fiscais estrangulados.
O impacto que a crise do coronavírus está e vai continuar provocando na economia ainda não foi calculado, mas os números preliminares apontam para perdas dificilmente recuperáveis para todos os países. Algo como uma recessão global.
Impactos na economia mundial
Uma das primeiras medidas adotadas pela China, segunda maior economia do mundo, para enfrentamento do coronavírus, na contenção da disseminação da doença em seu território, inclui o fechamento de fábricas e lojas em todo o país. As consequências se fizeram notar nos indicadores relativos à produção industrial, vendas a varejo e investimentos em ativos fixos.
As vendas a varejo, segundo o Escritório Nacional de Estatística da China, sofrem uma queda de 20,5%, jamais registrado em toda a série histórica. Este indicador é importante porque ele reflete o comportamento do consumo chinês, e o baque foi equivalente a cinco vezes o resultado esperado pelos especialistas (4%). Ficando em casa, os consumidores gastam menos e a demanda cai fortemente. Caindo esta, a produção industrial também cai.
As estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o PIB mundial, em 2020, no entanto, apontam uma queda de 3,0%, depois de 2,6% em 2019 e 3,6% em 2018. A situação americana fica mais grave quando se verifica que mais de 22 milhões de pessoas já solicitaram o Auxílio Desemprego e esse número deve crescer nas próximas semanas. No mês de fevereiro, a taxa de desemprego nos Estados Unidos atingiu 3,5%, a mais alta dos últimos 50 anos.
Na Zona do euro o impacto se mostra ainda mais forte, seja no seu conjunto, seja na visão individual de cada país membro. No conjunto, a queda prevista é de -7,5% para este ano; -7,0% na Alemanha; -7,2% na França; -9,1% na Itália; e -8,0% na Espanha. Na Grécia, o percentual fica em -10,0% e em Portugal, -8,5%.
Na realidade, o relatório do Fundo Monetário Internacional aponta que 170 de um total de 189 países devem sofrer queda no PIB per capita este ano, o que, por si só, representa um grande desastre sobre a demanda agregada. Em termos de comércio internacional, o desastre econômico aparece nas estimativas da taxa de crescimento do volume do comércio mundial (bens e serviços) apresentadas pelo FMI, ou seja, queda de 11,0% e isto se mostra refletido tanto nas importações quanto nas exportações, nas economias avançadas e também nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento. Os índices negativos não são muito distantes entre os tipos de transação ou os tipos de economia, mas acentuam a gravidade da derrocada, quer em relação ao ano passado, quer relativamente a 2018 e onde os mercados emergentes (entre eles, Brasil, China, Índia) tinham melhor desempenho.
Com as restrições impostas em função do controle do coronavírus, o fluxo internacional de comércio foi diretamente afetado. Em cima disto há que destacar ainda as tensões nas relações entre Estados Unidos e China, bem como a disputa entre Rússia e Arábia Saudita, que empurrou os preços do petróleo para níveis inesperados. Nos cálculos do FMI, os preços do petróleo despencaram mais de 52 pontos percentuais com referência, por exemplo, aos praticados em 2018, com preço negativo de US$ -10,2 (as empresas pagando para o comprador comprar). As quedas nos preços de commodities não combustíveis foram muito menos acentuadas.
Verifica-se, em síntese, que a pandemia do novo coronavírus representa a “maior ameaça à economia global desde a crise financeira de 2008”, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, na visão da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), “poderia custar à economia global até US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10 trilhões) neste ano”.
Outra dimensão da crise está no volume de desemprego criado pelo coronavírus. Só nos Estados Unidos são calculados, até agora, 22 milhões de pedidos de seguro desemprego, segundo dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos; no Reino Unido já se contabilizam 2 milhões.A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 1,25 bilhão de trabalhadores se acham em setores com alto risco de demissão, redução de salários e de horas trabalhadas, situação que se agrava ainda mais quando leva em conta que, na economia global, há cerca de 2 bilhões de trabalhadores informais – a maioria deles nas economias emergentes e em desenvolvimento – os primeiros atingidos pelas consequências da pandemia. Para a OIT, com a expansão do desemprego provocada pela COVID-19, aprofundar-se-á “a pobreza no mundo, com uma perda de renda para os trabalhadores de US$ 3,4 trilhões em 2020”, isto sem falar subemprego decorrente da redução de salários e de horas trabalhadas. Reação imediata aparece na queda do consumo mundial de bens e serviços.
Impactos sobre a economia brasileira
A economia brasileira, nos últimos anos, vinha dando sinais – fracos, é verdade – de retomada de recuperação, com uma sequência de três exercícios seguidos com taxas positivas de crescimento no produto interno bruto.
Projeções iniciais de 2,0% na taxa de crescimento do PIB para o ano de 2020 foram sendo sucessivamente revisadas até chegar a 0,02%, mas, ainda assim, positiva. Despertava, na equipe do governo, os sinais da crise financeira de 2008/2009 e o impacto de greve dos caminhoneiros de 2018, com repercussões fantasmagóricas até os dias de hoje. A Fundação Getúlio Vargas chegou a estimar que o PIB brasileiro poderia cair até 4,4% neste 2020, mas o Fundo Monetário Internacional, em seu relatório World Economic Outlook, divulgado em 13.04.2020, projetou uma queda ainda maior (-5,3%) e, assim mesmo, acreditado que a pandemia poderia estar controlada no princípio do segundo semestre.
As medidas adotadas para controlar a proliferação da pandemia do coronavírus (quarentenas, lockdowns, distanciamento social horizontal ou vertical) reduzem drasticamente a mobilidade, com as pessoas tendo que ficar recolhidas às suas unidades residenciais. Com restrição na circulação das pessoas, caem os gastos com bens e serviços e as empresas, não tendo para quem vender, promovem demissões e deixam de comprar insumos e matérias-primas e, dessa forma, afetam as vendas das empresas fornecedoras. Estas, por sua vez, sem compradores, desempregam, e assim sucessivamente para outros setores de atividade.
Se não há produção para circular, porque não há renda para comprar, os governos deixam de arrecadar e, como não têm a flexibilidade de demissões como o setor privado, endividam-se para honrar suas despesas com folha de vencimentos. Enfim, é uma espiral descendente de forma crescente.
As receitas internacionais do setor de turismo devem perder entre US$ 300 e US$ 450 bilhões este ano, segundo projeções da Organização Mundial do Turismo.
Aviões sem voar afetam diretamente toda a cadeia de turismo: empresas aéreas, agências de viagem, guias turísticos, produtores artesanais, hotéis, bares, restaurantes, empresas de comunicação voltadas para o setor e tantas outras.
O Brasil, que já registrava cerca de 12 milhões de desempregados antes da pandemia, pode mais do que dobrar esse número uma vez que estimativas da OIT admitem que a crise do COVID-19 deve gerar mais 14 milhões de desemprego, o que seria um desastre extremo.
O novo Ministro da Saúde do Brasil, o médico e empresário Nelson Teich, em sua fala quando apresentado pelo Presidente Jair Bolsonaro, enfatizou que saúde e economia não são competitivas mas complementares, onde ações de um segmento não devem prejudicar o outro.
Nas circunstâncias atuais, o que se está verificando é que as iniciativas governamentais da área de saúde, voltadas, num primeiro momento, para a contenção do avanço do coronavirus, a exemplo da quarentena e isolamento social, têm provocado o fechamento de unidades econômicas, queda de demanda, do emprego e da renda.
A incerteza do controle completo do vírus e da extensão temporal da pandemia levam, necessariamente, à certeza de que a economia não pode ficar parada por mais tempo. Este é o dilema a enfrentar: descobrir o ponto de equilíbrio da coexistência entre as medidas adequadas à saúde das pessoas e as medidas de recuperação e crescimento das atividades econômicas – saúde das empresas. A liquidação do vírus é a preservação das pessoas, da vida; o fechamento das empresas e dos postos de trabalho é o desastre da economia e se esta não funcionar não tem como produzir os insumos e os medicamentos que a saúde precisa para combater o vírus.
São assustadoras as perdas já contabilizadas até o momento. A recuperação delas se arrastará por alguns anos, até porque muitas das empresas que, agora, suspenderam suas atividades não voltarão mais para o mercado. E os investidores precisarão estar seguros de que os riscos aliados aos seus investimentos são calculáveis e previsíveis.
É apostar nessa loteria.
fonte: O Imparcial, escrita por José Henrique Braga Olary
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